O fim da Igreja é a salvação das almas

Sempre nos negamos a colaborar na destruição da Igreja

A isso sempre nos negamos. E desde o primeiro momento em que nos negávamos, era evidente que nos colocávamos contra os que se apresentam como sendo a Igreja legal: para eles, estávamos fora da lei da Igreja e eles eram os que a respeitavam. Apreciação que consideramos totalmente inexata, porque eles são os que realmente se afastam da legalidade da Igreja, enquanto nós seguimos estando na legalidade e na validez. Ao percebermos objetivamente que eles realizam atos em um espírito destrutivo para a Igreja, fomos obrigados na prática a obrar de um modo que parece contrário à legalidade da Igreja. Realmente parece. Mas é uma situação bastante estranha a de parecer ser arbitrários simplesmente pelo fato de seguir celebrando a Missa de sempre e ordenando sacerdotes segundo o que era a legalidade até o Concílio. Contudo, foi esse o motivo que me levou a ser sancionado por suspensão e aos sacerdotes que aceitaram ser ordenados a ficarem em interdição.

Mas esse exercício ilegal não se deteve nos detalhes da lei, tanto na matéria das confissões como dos matrimônios e de nossa instalação nas dioceses. Muitas coisas que fizemos estão em si mesmas e em sentido estrito fora da lei. Então por que as fizemos? Porque considerávamos que o que havia sido empreendido contra nós era ilegal e que não havia nenhum direito para que nos suprimissem.

A lei fundamental da Igreja é a salvação das almas

Desde então, obramos segundo as leis fundamentais da Igreja para salvar as almas, salvar o sacerdócio, continuar a Igreja. Porque é o que efetivamente está em jogo. Opomo-nos a certas leis particulares da Igreja para salvaguardar as leis fundamentais. Ao usarem contra nós as leis particulares, nossos opositores destroem as leis fundamentais; porque vão contra o bem das almas, contra os fins da Igreja.

O novo Código de Direito Canônico comporta artigos que são contrários aos fins da Igreja. Por exemplo, quando permite dar a comunhão a um protestante, não podemos dizer que não vá contra os fins da Igreja. Quando afirma que existem dois poderes supremos na Igreja, não podemos dizer que não vá contra os fins da Igreja. A própria definição da Igreja como “povo de Deus”, na qual estão fundamentalmente todos os ministérios e na qual já não é feita nenhuma distinção entre o clero e os leigos, vai contra o dogma. Tudo isso é contrário aos fins da Igreja. São destruídos os princípios fundamentais do Direito e querem obrigar-nos a submeter-nos a isso.

Para salvar as leis fundamentais da Igreja, estamos obrigados a ir contra as leis particulares. Em tudo isso, quem tem razão e quem está equivocado? É evidente que tem razão quem salva os fins da Igreja. As leis particulares foram feitas em função das leis fundamentais, isto é, para a salvação das almas, para a glória de Deus, para a continuação da Igreja. O que é bastante elementar.

Contudo, em todo momento voltam a recordar: Dom Lefebvre está suspenso, seus sacerdotes estão suspensos, eles não têm nenhum direito para seguir exercendo seu ministério. Recordam leis particulares. Mas poderiam recordar também que eles estão destruindo a Igreja; não só suas leis particulares, mas também suas leis fundamentais, por meio desse novo Direito Canônico totalmente inspirado pelo mau espírito modernista que se manifestou no Concílio e no pós-Concílio.

É claro que desejaríamos que tudo fosse normal, que não estivéssemos nesta situação aparentemente ilegal. Mas eles não podem fazer-nos a menor repreensão como se nós houvéssemos querido mudar algo na Igreja. Temos que reflexionar e compreender este espírito: que somos da Igreja e continuamos a Igreja. E por que a continuamos? Porque procuramos alcançar os seus fins. Ainda que possam acusar-nos de faltar contra certas leis práticas, ninguém pode dizer que a Fraternidade não obra segundo os fins da Igreja.

Pois bem, incluso nas leis particulares, a Igreja teve a sabedoria de deixar sempre uma porta aberta para a salvação das almas. Por isso previu casos extraordinários, o que, por exemplo, ocorre com a jurisdição para as confissões. Na prática, por intermédio do Direito Canônico, aquele que procura um sacerdote para receber o sacramento da Penitência é quem lhe dá a jurisdição. Ainda que essa pessoa se dirigisse a um sacerdote excomungado para pedir-lhe que a ouvisse em confissão, ele receberia a jurisdição.

Algo similar ocorre para o matrimônio: o Direito Canônico previu uma exceção para aqueles que não conseguem encontrar um sacerdote que os case segundo o espírito da Igreja, como se casaram seus pais. O que é algo elementar, ou seja, que os jovens desejem casar-se segundo o rito com que se casaram seus pais e não em um rito que, além de ser frequentemente ridículo, é também muitas vezes odioso, cujo ambiente está longe de ser piedoso e favorável a um ato tão importante e sagrado como é o sacramento do matrimônio. Se os noivos não encontram um sacerdote em um lapso de um mês, podem casar-se por si mesmos. De fato, eles são os que se dão o sacramento, já que são os ministros, e, neste caso, ficam eximidos da forma canônica. Podem casar-se diante de duas testemunhas. Se há um sacerdote, deve estar presente. O sacerdote não terá delegação, mas estará presente em seu matrimônio, como exige o Direito Canônico, e lhes dará a bênção nupcial.

Também para a Confirmação existe uma exceção. O sacerdote tem direito a dar a Confirmação em certos casos. Também está no Direito Canônico. O sacerdote deve dar este sacramento a quem se encontre em perigo de morte, caso ainda não o tenha recebido.

Um sacerdote pode dar a Confirmação em outros casos excepcionais. Nas missões, esta possibilidade se estende aos matrimônios. Os sacerdotes tinham direito a dar a Confirmação antes do matrimônio, se os contraentes ainda não a houvessem recebido.

Sobre esse assunto, nunca disse que todas as confirmações atuais sejam inválidas, mas são questionáveis no que se refere à fórmula utilizada e ao óleo empregado. Recebi muitos testemunhos de pessoas que, formalmente, me repetiram a fórmula utilizada pelo bispo… uma fórmula inválida. «Recebe o Espírito Santo», só isso. «Envio-te em missão». Talvez não seja frequente, mas ocorre às vezes e invalida o sacramento. Em todo caso, há muitos bispos que consideram a Confirmação como um sacramento inútil, que o Espírito Santo já foi comunicado no Batismo, que é uma cerimônia suplementar para recordar o que foi feito no Batismo. Isso é o que dizia explicitamente o antigo arcebispo de Chambéry em sua revista diocesana: «A Confirmação não dá o Espírito Santo, já que Ele já foi recebido no Batismo». Mostrei esta revista ao Cardeal Ratzinger, e lhe disse: «O senhor me repreende por fazer confirmações, mas veja o que pensam os bispos sobre a Confirmação». Esse arcebispo, atualmente aposentado, tinha na época 72 ou 73 anos, logo, havia sido formado à moda antiga. Havia conhecido o sacramento da Confirmação segundo o ensinamento de outro tempo. Sem dúvida, a fé do bispo não interfere na Confirmação administrada, mas este sacramento pode ser tratado assim? Esse é o raciocínio dos protestantes e, por isso mesmo, podemos perguntar-nos se a intenção desses bispos é a de fazer o que faz a Igreja. Se quisermos sobreviver e que Deus continue abençoando a Fraternidade, temos de permanecer fiéis a essas leis fundamentais da Igreja.

Sem a Missa tudo se desmorona

Se nossos sacerdotes abandonassem a verdadeira liturgia, o verdadeiro santo Sacrifício da Missa, os verdadeiros sacramentos, já não valeria a pena seguir adiante. Seria um suicídio!

Quando Roma nos diz: «Pois bem, que lhes impede de adotar a nova liturgia e seguir com seus seminários? Não será isso que os fará desaparecer», eu respondo: «Sim, isso faria desaparecer a nossos seminaristas. Jamais poderão aceitar a nova liturgia; isso seria introduzir o veneno do espírito conciliar na comunidade. Se os demais não resistiram, é por haverem adotado esta nova liturgia, todas estas reformas, todo este novo espírito. Se aceitarmos as mesmas coisas, chegaremos aos mesmos resultados».

Por isso temos de manter a todo custo nossa linha tradicional, a pesar da aparência de desobediência e das perseguições por parte daqueles que usam sua autoridade de maneira injusta e frequentemente ilegal.

Cada vez mais nos vemos obrigados pelas circunstâncias, que se agravam sem cessar. Se o estado das coisas parecesse estar sendo revertido, se fossem percebidos novos sinais tangíveis de uma volta à Tradição, tudo seria diferente. Mas, infelizmente, tudo vai de mal a pior. Os novos bispos que substituem os antigos receberam menos formação teológica e estão imbuídos desse espírito do Concílio, espírito protestante e modernista, e a situação se torna cada vez mais grave. Diante dessa degradação contínua, acaso não estamos obrigados a tomar medidas extraordinárias? Todos estes acontecimentos justificam nossa atitude. Contudo, os sacerdotes progressistas nos repreendem sempre que têm uma ocasião: «Vocês não têm jurisdição, não têm direito de ouvir confissões». E consideram tudo o que fazemos como inválido e será muito se também não considerarem inválida nossa Missa. Esse é o espírito que reina entre os progressistas encarniçados, que se opõe a nós e nos insultam. Não temos que hesitar em replicar que temos que usar bem as leis da Igreja, isto é, daquilo que a Igreja permite nas circunstâncias extraordinárias e de extrema gravidade. Deus sabe que estamos nesse caso!

Dom Marcel Lefebvre